sexta-feira, março 24, 2006

Multishow ao Vivo - Renato Russo, Uma Celebração

Multishow ao Vivo - Renato Russo, Uma Celebração

texto de apresentação oficial, de emi.com.br

"Vamos celebrar Renato Russo

Renato Russo é uma das minhas saudades mais constantes. A primeira música dele que ouvi foi "Química", tocada num show do Circo Voador pelos Paralamas do Sucesso, padrinhos da turma de Brasília no Rio (todos baixavam em peso na casa do Bi em Ipanema).

Vi o primeiro show da Legião e do Capital no Rio em 1983 no Circo. Renato, empunhando um baixo maior do que ele, Dado e Bonfá apresentaram canções que se tornariam hinos do rock brasileiro. Logo na primeira ouvida, ficou claro que ali vinha um discurso sofisticado e superior ao que faziam na época os demais compositores da geração, com exceção de Cazuza. Renato sempre me mandava notícias de Brasília, me citava no seu fanzine e, quando a Legião gravou o primeiro disco, ele me mandou uma fita cassete da primeira mixagem pedindo minha opinião.

Daquele primeiro show à morte prematura em 1996, Renato apresentou uma obra que englobava protesto, questões amorosas, existenciais e filosóficas que o tornaram ídolo de legiões de jovens. Isto pode ser constatado nesta celebração da obra dele coordenada pelo idealizador e diretor do show Marcelo Froes, com produção musical de Liminha e direção de Darcy Burger. As projeções são de diversos VJs sob a coordenação de Jodele Larcher.

A gravação varou a noite de 13 de dezembro na Fundição Progresso, no Rio, e vai ao ar no Multishow dia 27 de março, quando Renato completaria 46 anos. O repertório inclui duas inéditas, "Fábrica 2" e a instrumental "O grande inverno da Rússia", tocada pela Confraria, a banda que acompanhou os intérpretes solistas do projeto, formada por Billy Brandão (guitarra), Maurício Barros (teclados), Marcelo Costa (bateria) e Bruno Migliari (baixo).

Todos os lados dele se encontram nesta Celebração de seu talento, nas vozes de contemporâneos e admiradores de várias vertentes da música brasileira.

No repertório do Rock Brasil há poucas canções que abordam a questão amorosa de maneira tão delicada como "Por enquanto". Os versos "se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar/ Que tudo era para sempre/ Sem saber que pra sempre sempre acaba" são tão marcantes quanto o "que seja eterno enquanto dure", de Vinicius de Moraes. Cabe à revelação Vanessa da Mata cantar esta canção, que teve o atributo adicional de apresentar Cássia Eller ao Brasil.

As muitas facetas do relacionamento são tratadas em "Eu sei": como, quando e por que mentir, os enganos provocados pelas palavras, mensagem muito bem passada pela voz doce de Fernanda Takai e a guitarra incisiva de John Ulhoa.

A essência do amor é o tema de "Monte Castelo", uma adaptação do Soneto n° 11 de Luiz de Camões interpretada por Paulo Ricardo, uma voz quente e arranhada que realça o tema, o sentimento mais sofisticado, complexo e tão contrário a si. Paulo também canta "Boomerang blues", um gênero onde Renato não costumava transitar, com advertências cármica de que tudo que se faz, aqui se paga.

A busca da redenção de quem se perdeu num amor desatinado e se reencontrou está em ''Vinte e nove'', defendida com garra por Isabella Taviani.

"Daniel na cova dos leões", tocada pelos Detonautas, relata um relacionamento sem recorrer a qualquer clichê, prova do talento poético do autor em versos como "Teu corpo é meu espelho e em ti navego/ E sei que tua correnteza não tem direção."

Renato foi porta-voz da garotada em canções como "Química", sobre o embate com o currículo escolar, defendido pela Plebe Rude, a banda junior da turma de Brasília, agora reforçada pelo honorável Clemente, ex-Inocentes. Sem ter nada de interessante para fazer em Brasília, a galera se queixava do "Tédio", traduzido em canção pelo Renato e tocado com a devida veemência pelos Autoramas.

"Vamos fazer um filme" olha o mundo da perspectiva de um estudante que fala sobre bondade e respeito, adverte que "o sistema é maus mas minha turma é legal e filosofa: "Viver é foda, morrer é difícil". O Leela defende bem esta, com Bianca Jhordão alternado fúria e doçura e a guitarra enfezada de Rodrigo Brandão.

Renato era um excelente narrador de histórias, duas delas de requintado primor aqui presentes. O Biquini Cavadão nos conduz pela vida do casal "Eduardo e Mônica", dois opostos em busca de integração, enquanto Toni Platão conta a longa saga de João de Santo Cristo, Maria Lúcia e Jeremias pelos tropeços da vida. No making of, ele mostra a letra enorme e diz que vai fazer algumas marcações para a hora do almoço, um banho etc. Produzido por Rodrigo Pinto, o making of mostra ensaios, brincadeiras e entrevistas, incluindo a mãe de Renato, dona Carminha, a irmã Carmem Thereza e o filho Giuliano.

A Legião Urbana introduziu o discurso político no rock brasileiro dos anos 80. "Geração Coca Cola," o mais veemente manifesto jovem da época, revela nesta celebração um surpreendente lado hardcore do grupo Cidade Negra. A juventude criada sob o tacão da ditadura promete cuspir de volta todo o lixo engolido desde criança.

"Fábrica" segue o estilo das working songs, as canções de trabalho e de protesto dos operários americanos na virada do século 19. Um trabalho honesto com pagamento justo, dignidade e justiça, reivindica Renato, um recado incorporado pelo grupo Tantra de Fred Nascimento. "O senhor da guerra", interpretada pelo combativo Chorão, pode ser a trilha sonora para qualquer filme de guerra. Jovens jogados nos campos de batalha com ordens de se matarem uns aos outros em nome de grandes objetivos econômicos.

Nasi, do IRA!, usa a voz áspera para interpretar "Música Urbana 2", passeio no lado selvagem de uma metrópole de Terceiro Mundo com crianças sujas e mendigos nas ruas, sem mentiras ou verdades.

O grupo Forfun mostra "Metrópole", visão de aspectos diversos da urbe em relação a "Música Urbana 2". O sadismo de cada dia com a desgraça alheia e os meandros burocráticos dos regulamentos, senhas, recibos e argumentos de que "ordens são ordens".

"Fábrica 2", inédita do começo dos anos 80, tinha o título alternativo de "Desemprego", descrevendo as dificuldades que se passa sem o contracheque nosso de cada mês. Ela foi entregue a uma banda de ponta da Geração 80, os Titãs, que também defendem o manifesto "Que país é esse?", tão atual hoje como há 19 anos, quando foi lançado pela Legião.

Três integrantes do Capital Inicial são os mais ligados ao Renato neste projeto. Os irmãos Fê e Flávio Lemos foram do Aborto Elétrico e Dinho Ouro Preto descobriu sua vocação vendo uma apresentação do Aborto na calçada do Bar Cafofo, em Brasília. Dinho e Fred Nascimento ao violão interpretam "Marcianos invadem a Terra", com uma notável participação da platéia nesta e na canção seguinte, com o Capital, o hino "Tempo Perdido". Regido por Dinho, o público canta a capella num belo momento de celebração sobre o tempo na vida de cada um.

Jamari França
Março de 2006"