terça-feira, junho 13, 2006

para referencia futura, Release de "sim e não" de Nando Reis e os Infernais

Se eu falei em alquimia, eu repito, este disco é uma suprema alquimia do amor. Constantes imagens de misturas e amálgamas se sucedem em ritmo galopante e onde o ato do amor é descrito como intensa troca de essências, num território de paixões sem limites nem fronteiras, em que o autor chega a sugerir um pansexualismo e um hermafroditismo simbólicos.

A sonoridade é a do folk-rock universal, expressa em originalidades onde muitas vezes o tumulto das paixões é retratado em surrealismos sensuais. Das alturas poéticas e metafísicas do amor, o grande poeta e cantor não se inibe em pousar de vez em quando em paisagens chamadas de bregas, isto porque não pode existir preconceito de espécie alguma no amor, sob pena de morte.

Há sempre algo de espantoso, paradoxal, abissal, misterioso, como por exemplo estes versos de uma de suas músicas em que o humor e a ironia são fortes: "O amor às vezes não tem segredo/ é um pasto imenso e verde e cheio de muitas vacas". E ao mesmo tempo quantos segredos transformados em sonoros enigmas e belezas faiscantes nos traz este Nando Reis!

Nesta canção SIM, temos a afirmação do positivo e da vida fulgurante e apaixonada, parece uma lenda mitológica que se inicia com intenção de rapto. Em seguida, a figura amada é sacralizada como um anjo distraído. No final, o amante não quer ficar só, e na amálgama do vai-e-vem, do vem--vai, reafirma que "não dá para ficar só". Mas ainda acrescenta a dúvida que vem travestida de enigmática mudança verbal chocante que diz: "sim, não dou, não".

Na canção SOU DELA, o cantor-autor filosofa sobre as reviravoltas dos feixes de possibilidades quânticas do amor. Mas, de repente, a poética deste filosofar é intercalada por visões de paisagens surrealistas de cordel do Brasil-Universal: "A alegria é um presépio/ a tristeza é tentação/ Três Marias de um mistério/ a surpresa em procissão". E finaliza triunfante e feliz: "Porque eu estou com ela.".

A canção N começa com toda a sensualidade do cheiro e do aroma e de lábios molhando e o cabelo enrolado da amada no peito. O nome dela e sua presença são inesquecíveis, porque estão como que tatuados, gravados com o "N" dos dois nomes como um elo, como um selo! E como se tratasse de um documento da quarta dimensão da imaginação poética, a pergunta fatal e retórica que afirma a amálgama dos corpos unidos e flamejantes: "E o meu corpo está moldado com o teu?". Sempre uma coisa remete a outra e se desdobra em enigmas que são amalgamados a realidades concretas que parecem sempre estar prontas para levantar vôo em direção ao infinito das surpresas de todos os inesperados mais fugazes e etéreos, mas sempre tendo como contraponto a firmeza concreta do amor.

Em MONÓICO, temos a plenitude desta intensa amálgama que reúne os mistérios em ondulante e transfiguradora beleza. Vejam que impressionante desdobramento de implicações de várias dimensões aglomeradas em ritmo-som-poesia: "Eu sou um homem, você é uma mulher/ você me come porque eu quero ser sua mulher/ e eu quero o homem que come essa mulher/ será que você me entende?".

Além de manifestar o fim da situação sujeito-objeto, masculino-feminino, ativo-passivo, Yang-Yin, ele nos lança no escândalo desta afirmação indefinível: quando é que no ato amoroso pode-se classificar quem é isto ou aquilo? E no final, como estocada fatal, define o cerne do amor e da liberdade e do ativo e do passivo dizendo: "Você pertence a você".

Em NOS MEUS OLHOS, aqui há um enredo de segredos e aparentes impossibilidades em jogo. Porém, acima de qualquer proibição neste reinado alado da liberdade amorosa, existe uma única proibição: "Amor, eu te proíbo/ de não me querer".

Em SANTA MARIA, temos a reafirmação dos corpos amorosos em hedonismo carnal desenfreado, com as imagens e lembranças que se fundem e refundem incessantemente. E, no final, a afirmação que diz "SIM" - constante afirmação do impulso da vida afirmando a plenitude do agir amoroso - ao invés de "SIM", é sintetizada e sincretizada na palavra "FIM": "O amor nos perguntou, e nós dois dissemos que FIM".

Em ESPATÓDEA, o cantor-poeta sobe os degraus das escadarias do amor da flor em direção à quarta estrela, da terra ao céu abre-se uma estrada. E o amor então floresce como árvore da vida, aquela sobre a qual Goethe disse: "Cinza é toda teoria, mas verde, meu amigo, é a cor da árvore da vida!". E Nando Reis canta: "Espatódea/ gineceu/ cor de pólen".

Em PARA LUZIR O DIA, o amor é fluorescência luminosa. Também é uma situação de amor realista, concreto, substancial, quase utilitarista: "Casa para morar/ boca para beijar/ chão para pisar.../ bolo pra comer/ bola para bater...". E no verso "tempo para crescer", lembra o Eclesíastes que diz: "há um tempo de guerra, há um tempo de paz!".

Em COMO SE O MAR, parece um filme, fotografias, imagens nas quais "a paz que há na gente/ e subitamente/ se esvai". Tudo aqui é liquefeito, as mágoas, as águas, a calma, tudo se move em direção ao lar, e tudo parece uma oferenda aos deuses, tendo como mensageiro o esvair-se de tudo em forma de fumaça, sagrado do ritual do amor! Incensos? Imensos? Densos? Intensos?

Tudo isso e muito mais em direção ao lar! E a conclusão da canção do amor carregado de negações e angústias atormentadoras é solucionada assim: "Por que é que a gente não casa? / você quer se casar?". Que coisa fantástica! O poeta sabe o que deve saber, aqui ele conclui a canção seguindo o lema de Spike Lee: "Do the right thing!". "Faça a coisa certa!". Isto é: casar. claro, se ela o quiser!

Em PRA ELA VOLTAR, afirma-se o amor por negações, é como a dúvida permanente que é o cerne da fé da religião de Israel. É o amor que insiste apesar de "um muro separa o mundo lá fora", mas como dizem os teólogos mais avançados da abertura total: "mesmo quando não existir mais nem fé nem esperança, o amor continuará a resplandecer no universo!".

Em CANECO 70, estamos diante de um épico e de uma exaltação profunda de amor pelos vários pontos que constituem o país-continente. E especialmente um justificado orgulho de ter nascido em São Paulo, o coração pulsante do Brasil-Universal! É uma lenda de aventuras reais-hiper-reais que são como uma saga de Bob Dylan selvagem tropical titânico do âmago das coisas.

É uma viagem "on the road", "pela estrada" do século XXI! O amor é sacralizado: "Por que você manchou a nossa colcha sagrada?". Do geral para o particular, da paisagem maior para a paisagem dos detalhes íntimos e sensuais, a câmera digital sonora do cantor-compositor-poeta nesta canção revela sem pudores sua imensa alegria de ser brasileiro-universal, pioneiro e amante selvagem e civilizadíssimo ao mesmo tempo-espaço e que saúda os bairros de São Paulo ao final da canção e termina dizendo: "Sou filho de Cecília e Zé Carlos, já vou indo, me dá licença...". Mas a gente sabe que ele nunca irá embora, porque, como Fernando Pessoa, o poeta mesmo indo embora fica, fica e fica!!!!

Em TI AMO, estamos diante de uma ladainha em cuja repetição do verso "ti amo", além do neologismo de escrever "ti" ao invés de "te", revela-se a obsessão absoluta deste autor-cantor-compositor que vive cada milésimo de segundo, mesmo dormindo, nesta paisagem de revelações, iluminações, paixões e furacões! E cada vez que soa "ti amo", o nosso coração faz várias leituras e interpretações desta frase: minimalismo, monotonia da loucura do amor! Obrigado, Nando Reis, por este mantra de um fim sem-fim, ao qual respondo, como cada um de nós, tenho certeza, responderá (claro que cada um em tom pessoal e insubstituível): "Nando, TI AMO!!!!".

Jorge Mautner

2 Comments:

Blogger Joana B. said...

que bom, voltar a ter leitura em atraso no site. nao conhecia este senhor, obrigada

2:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Otimo release!!
Caneco 70 é muito show!! Mas eu gosto muito da poesia doce de Como se o mar e Nos seus olhos

1:23 da manhã  

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